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NO QUE AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS PODEM INFLUENCIAR NA CONSTRUÇÃO CIVIL?

Saiba no que as mudanças climáticas vão afetar na sua vida e seu bolso. Sua vida e o setor da construção civil vão sofrer bastante com os eventos climáticos extremos, leia e entenda o motivo.

Por Guilherme Coelho, publicado em 21/09/2021.

Todos nós sabemos que nosso planeta está sofrendo bastante com os impactos ambientais, isso não é novidade para ninguém, porém recentemente o IPCC publicou o seu sexto relatório sobre mudanças climáticas, que consiste na compilação e análise atual da ciência das mudanças climáticas.

Estamos em uma situação muito complicada, as previsões anteriores eram que as mudanças climáticas ocorressem aproximadamente no ano de 2050, porém essas previsões estavam erradas, e os impactos estão ocorrendo nos dias atuais. Outro ponto importante que se destaca nesse relatório atual é a afirmação de que a influência humana é uma das causas do aquecimento global.

Nesse “artigo” de LinkedIn irei citar alguns aspectos da construção civil que provavelmente serão impactados pelas mudanças climáticas, e se já não bastasse os motivos ambientais para entrarmos em estado de alerta e tomando providencias, vou abordar alguns aspectos financeiros das mudanças climáticas nas nossas vidas.


Sobre relatório

No mês de agosto de 2021 o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) publicou um novo relatório chamado “Mudanças Climáticas 2021: a Base das Ciências Físicas” , ele possui cerca de 3000 páginas e houve a participação de cerca de 270 autores e colaboradores de 66 países diferentes, e conta com aproximadamente 14.000 artigos revisados.

O relatório analisa as mudanças ocasionadas pelas emissões de gases do efeito estufa e aerossóis na atmosfera, as alterações observadas nas áreas continentais e oceanos; o aumento no nível dos mares; derretimento de geleiras; alterações na biogeoquímica dos ecossistemas, ciclo de carbono, modelagem e projeções climáticas, perspectiva histórica e paleoclimáticas sobre as alterações climáticas, causas e atribuição.

O relatório completo pode ser consultado no link abaixo:

Recomendo para quem quer uma informação mais rápida e de qualidade o workshop realizado pela agência FAPESP, vídeo e links abaixo:

Novo Relatório do IPCC WG1-AR6: Implicações para o Brasil e o planeta (fapesp.br)

Aquecimento global deve causar aumento generalizado da temperatura no Brasil, indica IPCC | AGÊNCIA FAPESP


Resumo dos resultados

Aqui vou listar e comentar algumas das principais frases citadas no webnário da FAPESP, que resumem muito bem o relatório:

“Mudanças recentes no clima são generalizadas, rápidas, intensificadas e sem precedentes em pelo menos 6.500 anos.”

A verdade não resulta do número Comentário: Isso significa que atualmente estamos tendo recordes de eventos climáticos intensos, dentre os últimos 6500 anos.

“A menos que haja reduções imediatas, rápidas e em grande escala nas emissões de gases de efeito estufa, limitar o aquecimento a 1,5 ° C pode ser impossível.”

Comentário: Essa frase expressa bem o grau de urgência das mudanças climáticas, se não tomarmos as decisões corretas agora podemos ter consequências irreversíveis.

“É indiscutível que as atividades humanas estão causando mudanças climáticas, tornando eventos climáticos extremos, incluindo ondas de calor, chuvas fortes e secas, mais frequentes e severas.”

Comentário: Até o quinto relatório do IPCC, havia a seguinte frase: “é extremamente provável que a influencia humana seja a causa dominante do aquecimento global.” O que no relatório atual nos trouxe dados suficientes para confirmar que o ser humano é o causador do aquecimento global.

“Para limitar o aquecimento global, são necessárias redução fortes, rápidas e sustentadas de CO2, metano e outros gases de efeito estufa. Isso não só reduziria as consequências das mudanças climáticas, mas também melhoraria poluição do ar nas cidades.”

Comentário: Aqui aborda os principais gases que são os vilões do aquecimento global.

“Globalmente a chuva nos continentes aumentou desde 1950, mais algumas regiões sofreram significativas reduções na chuva.”

Comentário: O aquecimento global está mudando todos os padrões de precipitações por todo o mundo.

“Mudanças projetadas nos extremos aumentam em frequência e intensidade a cada incremento do aquecimento global.”

Comentário: Os eventos climáticos extremos são normais, mas o relatório do IPCC afirma que os eventos aconteciam uma vez a cada 50 anos em um local, mas atualmente estão 4,8 vezes mais frequentes, e os eventos de chuva forte se intensificarão em cerca de 7% para cada grau adicional de aquecimento.

O ponto que eu quero enfatizar e que vou citar alguns dos impactos que eles podem causar na área da construção civil, é justamente os eventos climáticos extremos, no texto da FAPESP citado acima possui uma passagem que mostra bem o que está previsto para acontecer daqui pra frente:

“Em um cenário de aquecimento global de 2 ºC, as ondas de calor e secas devem ocorrer com maior frequência e simultaneamente, causando graves prejuízos à saúde, aos ecossistemas e à produção agrícola, estimam os cientistas.”

“Não é só o clima médio que está mudando, mas também as características dos extremos climáticos, como ondas de calor, de frio, enchentes, secas e ciclones. O número desses eventos está aumentando e se projeta uma elevação significativa em sua ocorrência em todas as regiões do globo, incluindo o Brasil”, afirmou Alves.

“Teremos cada vez mais eventos climáticos extremos simultâneos que tendem a intensificar os impactos, como ondas de calor combinadas com secas que, em regiões propícias a queimadas, os efeitos são exacerbados”, exemplificou.

Agora vamos tentar imaginar os impactos que tudo isso poderá causar em nossas construções.


Impacto estrutural

Os impactos das mudanças climáticas e dos causadores delas nas estruturas de concreto armado:

Gases de efeito estufa

Você sabia que o simples fato da estrutura estar localizada em locais com maior concentração de CO2 torna ela mais cara para o seu bolso ? Calma que eu vou explicar.

Um dos principais fatores do envelhecimento e deterioração das estruturas de concreto armado é o contato do gás carbônico (CO2) com o aço presente dentro do concreto. A norma NBR 6118:2014 cita em seu item 6.3.3.1 a despassivação por carbonatação como:  

“É a despassivação por carbonatação, ou seja, por ação do gás carbônico da atmosfera sobre o aço da armadura. As medidas preventivas consistem em dificultar o ingresso dos agentes agressivos ao interior do concreto. O cobrimento das armaduras e o controle da fissuração minimizam este efeito, sendo recomendável um concreto de baixa porosidade.”

Abaixo a tabela 6.1 da norma NBR 6118:2014 mostra como se classifica as taxas de agressividades das construções no Brasil.

Isso significa que pelo fato da estrutura estar em um ambiente com uma agressividade alta, é necessário tomar medidas preventivas maiores para evitar a deterioração da estrutura, como por exemplo, ter um cobrimento maior nos elementos estruturais, um concreto menos poroso e manutenções com maiores frequências.

Souza (2009) explica o processo de carbonatação do concreto, que se dá pelo transporte do gás carbônico (C02) presente na atmosfera para dentro dos poros do concreto, consequentemente ele terá uma reação com o hidróxido de cálcio da água do concreto, formando o carbonato de cálcio, o que implica carbonatação do concreto (redução do pH para valores inferiores a 9). Abaixo a equação citada:

Ca(OH)2 + C02 CaC03 + H20

A quantidade de gases de efeito estufa são extremamente prejudiciais às estruturas e ao meio ambiente, e caso não seja tomadas as medidas para diminuições das emissões, cada vez mais precisaremos ter estruturas mais caras para suportar os efeitos dos agentes agressores.

Cargas de vento

Uma das principais cargas que são consideradas no cálculo de estruturas é a carga que o vento exerce na construção, a norma que aborda isso é a NBR 6123:1988, e no seu item 5.1, ela cita como é calculada a velocidade básica do vento (Vo):

A velocidade básica do vento, Vo , é a velocidade de uma rajada de 3 s, excedida em média uma vez em 50 anos, a 10 m acima do terreno, em campo aberto e plano

Podemos observar que o fator estatístico (tempo de retorno) utilizado para a definição da velocidade do vento foi de 1 a cada 50 anos, conforme citado nos resultados do relatório do IPCC, pudemos constatar que os eventos climáticos extremos serão cada vez mais frequentes e intensos, consequentemente as novas estruturas deverão ser dimensionadas para suportar uma carga maior provinda dos ventos e as estruturas antigas correm o risco de serem danificadas por essas rajadas de ventos não foram previstas anteriormente. Ou seja, mais um fator que custará caro para nossos bolsos, além do risco de tragédias é claro!

Abaixo o mapa das isopletas da norma NBR 6123:1988:

Em breve o mapa deverá ser atualizado, já que se passaram 33 anos desde a sua criação.

Abaixo um vídeo do IPT (Instituto de pesquisas tecnológicas) para quem quer entender mais sobre a ação dos ventos nas estruturas.

Cargas de águas acumuladas

Um outro fator que deve ser observado e que eu citarei posteriormente quando falar dos impactos das mudanças climáticas nas instalações hidrossanitárias, é o fato que todo o sistema de drenagem das estruturas atuais foram dimensionados para uma intensidade de chuva provavelmente menor, isso pode causar um acumulo de água na estrutura que não estava prevista no projeto, podendo causar patologias ou até mesmo o colapso da estrutura.


Impacto das variações nas precipitações

Instalações de drenagem de águas pluviais

Assim como o vento e qualquer variável do clima que possa afetar a estrutura, trabalhamos com estatísticas para definir qual a intensidade devemos considerar nos cálculos, sempre buscando o equilíbrio da segurança com a viabilidade financeira. A intensidade pluviométrica para a definição de todo o sistema de instalações de drenagem de águas pluviais são definidas conforme o período de retorno e características da área a ser drenada, conforme a NBR 10844:1989 cita no item 5.1.2:

T = 1 ano, para áreas pavimentadas, onde empoçamentos possam ser tolerados;

T = 5 anos, para coberturas e/ou terraços;

T = 25 anos, para coberturas e áreas onde empoçamento ou extravasamento não possa ser tolerado.

Com o mesmo problema dos ventos, os valores de intensidades pluviométricas da norma de 1989 provavelmente não retratam mais a realidade atual, com chuvas cada vez mais intensas. Com isso todo o sistema de calhas, tubulações, drenos, galerias, ralos, sarjetas e canaletas podem não suportar mais as necessidades atuais e futuras, resultando em todos os danos que já observamos nos dias atuais.

Esse é mais um fator que gastaremos mais dinheiro público com manutenções corretivas, e nas instalações novas com sistemas maiores e mais caros.

Pontes e obras de saneamento

Toda obra de saneamento seja de abastecimento público, seja de esgotamento sanitário, passa por um estudo de cota de inundação (ECI) em sua fase de projeto, essa cota corresponde a máxima cheia provável que pode ocorrer durante a vida útil da estrutura, considerando um risco de que a estrutura venha a ser inundada após considerações de ordem econômica, ambiental e de segurança das populações que possam ser afetadas. (DE INUNDAÇÃO, 2018)

Então toda obra de pontes ou que corram riscos de serem inundadas foram calculadas com base nos dados estatísticos passados, com as mudanças climáticas, mais uma vez será cada vez mais comuns precipitações extremas que as estruturas não foram calculadas para suportar, podendo causar diversos danos à elas.

Água potável

Conforme citado nos resultados dos relatórios, com as mudanças climáticas também deixarão as secas cada vez mais extremas, isso fará com que seja necessário um sistema de distribuição e armazenamento de água muito melhor que o atual para suprir a demanda nas grandes secas, além disso o valor pago por esses serviços aumentarão.


Conclusão

Os cientistas estão nos avisando há anos dos impactos que os seres humanos estão causando no meio ambiente, e neste relatório não foi diferente, caso os tomadores de decisões e a população em geral não tomarem as providencias necessárias AGORA para freiar esse problema, as consequências serão irreversíveis, e impactarão fortemente a vida de todos.

Não faz sentido nenhum essa ideia do consumo predatório do meio ambiente em função dos ganhos financeiros, só nesse pequeno texto eu citei vários pontos que teremos prejuízos financeiros consideráveis.

Cuidar do meio ambiente também é cuidar do seu bolso, é você ter uma vida mais saudável custando menos.

Esse texto foi do grupo de trabalho I do IPCC, ele é responsável pelas análises das bases físicas e científicas das mudanças do clima, em breve teremos o relatório do grupo de trabalho II, que trará o impacto da mudança do clima na sociedade e ecossistemas, adaptação e vulnerabilidade; e o grupo de trabalho III analisa as estratégias de mitigação das mudanças climáticas.

***Lembrando que esse texto não tem o objetivo de ser técnico-cientifico***

O que você achou?

Tem algo que você gostaria de acrescentar?

Vamos debater sobre o tema e levar essa informação para o máximo de pessoas possíveis, e é lógico, fazer nossa parte para a diminuição do aquecimento global. 🌎

Gostaria de agradecer ao Scicast e sua equipe, conteúdo cientifico passado de maneira muito leve e divertida, e foi pelo episódio abaixo que fiquei sabendo do lançamento do relatório e me deu a ideia de escrever este texto.


Referências

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR-5626: Instalação Predial de Água Fria. Rio de Janeiro, 1998.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR-5688: Sistemas Prediais de Água Pluvial, Esgoto Sanitário e Ventilação – Requisitos para Tubos e Conexões. Rio de Janeiro, 1999.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6118:2003. Projeto de estruturas de concreto – Procedimento. Rio de Janeiro. 

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6123:1988. Forças devidas ao vento em edificações. Rio de Janeiro.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR-10844: Instalação Prediais de Águas Pluviais. Rio de Janeiro, 1989.

DE INUNDAÇÃO, C. O. T. A. “MANUAL DE PROJETOS DE SANEAMENTO.” (2018).

SOUZA, Vicente Custódio Moreira de; RIPPER, Thomaz. Patologia, recuperação e reforço de estruturas de concreto. São Paulo: Pini, 2009.


Quem é Guilherme Coelho?

Engenheiro Civil calculista de estruturas de concreto.

Especialista em projetos estruturais em concreto armado e projetos hidrossanitários. Especialmente para edifícios com arquiteturas exigentes e desafiadoras.

A filosofia principal por trás de todo o trabalho desenvolvido pelo nosso escritório é considerar a estrutura como uma obra de arte, garantindo a segurança e fidelidade ao projeto arquitetônico.

Atendo presencialmente na região metropolitana de Belo horizonte e via on-line para todo o Brasil.

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Guilherme Coelho
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